Grupos Organizados Torcidas unificadas e Estratégia de controle

Nota

URGIMENTO DOS GRUPOS ORGANIZADOS

Remontando à década de 40, as chamadas torcidas organizadas começaram a surgir. Iniciando-se pela presença de grupos com as vestimentas de seu clube predileto que apenas demonstravam sua paixão e sua vontade de participar do espetáculo.

A popularização do futebol, impulsionada pela televisão e, aqui no Brasil, pela conquista do Tri-Campeonato Mundial no México em 1970, levaram esses grupos organizados a buscar maior espaço social, ganhando corpo e número, transformando-os em entidades autônomas e com regras próprias de comportamento.

A captação de associados envolveu um grande leque de atividades, tais como caravanas, vendas de ingressos, marketing institucional, brindes e camisetas, baterias musicais e outras de lazer e cultura.

CONSEQUÊNCIAS 

O crescimento das torcidas organizadas trouxe como corolário a rivalidade que extrapolou a preferência clubística, caminhando para uma relação de ódio entre grupos organizados rivais e, apesar de representativo de um clube, inimigo em potencial apenas por se tratar de um grupo diferenciado do seu.

Da relação de ódio aos atos explícitos de violência, um curto caminho foi percorrido. Os confrontos físicos dentro e fora dos estádios, a invasão, a depredação e os furtos em sedes e até emboscadas de torcidas rivais foram perpetradas com incidência cada vez maior. O saldo de uma “campanha” vitoriosa era exibido como verdadeiro troféu, importando mais que o próprio resultado do jogo.

Esses fatos fazem parte da história dessas “gangs” organizadas, fartamente ilustradas pela TV e jornais, uma versão tupiniquim dos grupos que infestam Los Angeles e similar ao fenômeno denominado “holliganismo”, vindo da Europa, principalmente Holanda, Inglaterra e Alemanha, dos “Barras Bravas” Argentinos e dos “Tifosi” Italianos.

AÇÕES DOS GRUPOS ORGANIZADOS

Há que se reafirmar que o grupo organizado em questão age como uma gangue hierarquizada e “inimiga” de outras de paixão clubística diferenciada. O culto à violência sem sentido faz-se presente, mesmo após todas as medidas tomadas, relatadas mais adiante, não servindo como desculpa ter-se as mesmas condições em outros países.

A Argentina vive momento delicado nessa questão. Os grupos rivais se enfrentam de forma tão ostensiva e violenta que preocupa inusitadamente o próprio poder judiciário.

“Quatro torcedores do Boca Juniors foram presos ontem sob a acusação de terem participado do ataque a alguns simpatizantes do Chacarita Juniors, no jogo treino disputado quarta-feira”.

“Os Argentinos sem futebol

O Campeonato Argentino deveria começar amanhã (…) suspenso por causa dos seguidos conflitos (…) menos de um mês, prazo que a justiça precisa para decidir se autoriza ou não o reinício do campeonato”.

Em outros países, situação similar:

“Morrem torcedores Chilenos em briga”.

“Ricardo Petron, 19, havia se envolvido em conflito na quinta-feira passada. A briga teria sido uma revanche da torcida do Universidad do Chile. No dia 7, o Colo-Colo venceu o Universidad em jogo com muitos conflitos”.

“Violência vira rotina em Florença “Torcedores fanáticos da Fiorentina aprontam toda vez que o time joga em casa. Domingo, um policial levou uma garrafada no olho e pode perder a visão.

As cenas de violência estão se tornando comuns nos jogos da Fiorentina em Florença, Itália (…)”

A atuação da denominada “Tribo de Futebol” é objeto de estudo em vários países. Destacam-se neste campo os autores: Desmond Morris 40 e Bill Bufford 41

Os vândalos agem de forma extremamente similar, aqui e nos países considerados desenvolvidos.

“Holligans, os problemas de sempre em Milão.

Os torcedores ingleses aprontaram as confusões de sempre antes da partida contra a Inter em Milão, quebraram vidros de lojas e carros e provocaram correria nas ruas da cidade. Três foram presos (…)”.

“Polícia apreende 12 bombas, cinco torcedores do Palmeiras, todos menores, foram detidos no Jaguaré. Eles pretendiam atirar as bombas em um ônibus de corintianos”.

 AÇÕES DOS GRUPOS ORGANIZADOS NO BRASIL

No Brasil temos uma agravante em todo o sistema: a arraigada ideia de relacionar fatos socialmente inaceitáveis ou de pura violência contra pessoas ou patrimônio, como “coisas do futebol”. Ilustra-se:

“Torcedores depredaram o reformado Maracanã, depois do clássico Fla-Flu de anteontem, torcedores arrebentaram encanamentos para tomar banho (…)

O pior foi a reação do Presidente da Superintendência de Desportos do Estado do Rio, Francisco de Carvalho, o Chiquinho da Mangueira. Esse tipo de atitude faz parte de todo grande evento. Chiquinho disse ser “natural” que torcedores, “em razão do forte calor, quisessem tomar banho para se refrescarem”

Em sã consciência, é impossível admitir-se como “natural” a depredação de próprio estadual em virtude de calor!

Após três anos de “proibição de frequência” nos estádios paulistas, os grupos organizados não mudaram sua forma de pensar e agir. Destacam-se trechos de extensa reportagem jornalística publicada recentemente na revista Isto É, com o título “Porrada Fu”.

“Tenho prazer em bater. Quem aparecer com a camisa de outro time na minha frente leva pau”.

Betinho da Gaviões da Fiel

Torcidas Organizadas exibem armas e voltam a aterrorizar os estádios paulistas.

Em dias de jogo, A. se transforma completamente. “Viro outro, não consigo me conter. Se encontro um cara do time adversário, vou pra cima. Não tem moleza para ninguém. Sei que tenho duas vidas distintas. A princípio, evito mexer com um tiozinho (homem de meia idade) e bater em mulher, velho ou criança. Mas pode sobrar para qualquer um. Até para mulher grávida.”

Quando vai para o estádio, já pensa na possibilidade de não voltar para casa. “Digo sempre para a minha mãe: se eu morrer em dia de jogo, é para ela não se preocupar. Morro feliz. Quem também morreria feliz numa batalha entre torcidas são os amigos Betinho, 22 anos, balconista, e Jarrão, 21 anos, segurança, moradores da zona norte e membros da Gaviões da Fiel, a maior torcida corintiana. “Saio na porrada com qualquer um já na rua da minha casa.

Quem aparecer com a camisa do outro time na minha frente leva pau. Tenho prazer de bater, principalmente em são-paulino. Se tiver de aleijar ou matar, tudo bem”, diz Betinho, lutador de full-contact, mostrando barras de ferro e pedaços de paus que costuma usar em brigas. “Isso não tem nada a ver com futebol. São desculpas para o indivíduo extravasar sua patologia. O futebol paga um alto preço por ser um esporte onde é possível reunir essa legião de doentes”, diz o psiquiatra Paulo Gaudêncio.

(…)

Esse exército doentio parece decidido a aterrorizar novamente os estádios paulistas. Nas últimas semanas, voltaram a ocorrer brigas. No dia 24, quando jogaram Corinthians e São Paulo, integrantes da Gaviões espancaram um são-paulino no centro da cidade. Na mesma hora, a polícia apreendia um ônibus da Torcida Independente do São Paulo lotado de bombas. A. e a Mancha Verde – que judicialmente adotou um novo nome, Mancha Alviverde – não ficaram atrás. No mesmo dia, viajaram a Belo Horizonte para trocar pauladas com a Máfia Azul, do Cruzeiro. D

epois da morte de Márcio Gasparin, todas as torcidas organizadas foram impedidas pela justiça paulista de entrar nos estádios com camisetas e bandeiras. Instrumentos musicais e outros objetos que possam virar armas foram vetados. Além da Mancha, a Gaviões e a Independente também foram fechadas pela justiça, mas recorreram e ganharam um período de sobrevida. “Há boas possibilidades de elas encerrarem suas atividades de vez. Também estamos de olho na Torcida Jovem do Santos, a quarta mais violenta”, avisa o promotor público Fernando Capez, inimigo número um das uniformizadas.

A polícia e o judiciário apertaram o cerco, mas os torcedores adotaram novas táticas. Eles ainda levam bombas para os estádios e escondem armas em carros. “A diferença é que não entramos com a camisa da torcida”, tripudia o “gavião” Betinho.45(sic.)

 UM MARCO HISTÓRICO

A Taça São Paulo de Futebol Júnior é um Campeonato de categoria menor, tradicional da cidade de São Paulo, promovido pela Secretaria Municipal de Esportes, com o apoio organizacional da Federação Paulista de Futebol.

Indicado como um torneio de grandes revelações individuais, com mais de 20 campeonatos efetuados, resolveu-se em 1995, realizar-se duas edições, uma denominada Super Copa São Paulo, com realização em agosto do ano citado.

Normalmente levada a termo na paralisação dos campeonatos profissionais (mês de janeiro) e jogo final ocorre na data de aniversário da cidade de São Paulo, dia 25, a Super Copa São Paulo, em agosto de 1995, coincidiu com a realização simultânea do Campeonato Brasileiro daquele ano. Com as mesmas praças desportivas à disposição, houve natural acúmulo de eventos em um mesmo local.

O ganho político na realização do torneio, normalmente significando propaganda pessoal gratuita do patrocinador/organizador, sobrepujou a segurança.

Sem ser o objeto final deste estudo, fatos de elevada importância serão relatados. O jogo final da Super Taça São Paulo, envolvendo as equipes da Sociedade Esportiva Palmeiras e o São Paulo Futebol Clube, foi realizado às 09:00 horas no Estádio do Pacaembu, onde, na mesma data, às 16:00 horas, o Sport Clube Corinthians Paulista receberia equipe de menor expressão.

Tudo isso determinou o possível cruzamento das três maiores torcidas organizadas em um mesmo local, com meios de acesso idênticos, com entrada de grupos rivais coincidindo com saída de outros e todas as estórias de atos violentos que cercavam tais grupos.

Acrescente-se a reforma parcial do Estádio Paulo Machado de Carvalho e todo o quadro favorável para incidentes graves estava completo.

Resultou tudo em batalha campal, transmitida ao vivo pelas principais operadoras de televisão, com uma vítima fatal.

Pesquisa interativa do programa Fantástico da Rede Globo de televisão, indicou como responsáveis pela selvageria assistida as torcidas organizadas e seu modo de agir46. Mesmo com natural cuidado que se deve possuir em pesquisas não-probabilísticas e, de certa forma, falhas na conclusão, não se pode negar o efeito que a força da televisão exerce na opinião pública.

A comoção social e a opinião pública movimentaram os órgãos envolvidos, com edição de medidas combativas aqueles grupos organizados.

ESTRATÉGIA DE CONTROLE

O episódio da Taça São Paulo de Futebol Júnior trouxe consigo a benéfica união, nesse mister, de entidades participativas no esquema de segurança e organização. Somou-se à Polícia Militar a própria Federação Paulista de Futebol e obteve-se apoio firme e forte do Ministério Público do Estado de São Paulo, pela Promotoria da Cidadania.

 A Federação Paulista de Futebol

O despertar para a questão da segurança do espetáculo no âmbito do organizador foi fundamental para a mudança do crescente quadro de violência em estádios de futebol.

A principal contribuição foi a edição de uma Portaria, editada pela Federação Paulista de Futebol em 1995, proibindo a ostensividade de símbolos indicadores de grupos organizados em estádios paulistas,47 agindo no cerne na questão de representação desses grupos, com efeito imediato no aspecto de diminuição do número de ocorrências policiais em estádios.

As discussões a respeito da legalidade desse ato prossegue até hoje, mas a medida ainda não foi modificada e é usada também em outros esportes que não o futebol, se estendendo para ginásios.

Além desse ato formal, contribuiu a Federação em vários outros aspectos, tais como equipamentos e empresas de segurança privada para utilização em missões impróprias à polícia e que eram executadas por esta, em virtude de não se possuir outra mão-de-obra disponível para essas missões, imprescindíveis para o esquema.

Muito mais consciente, a Federação Paulista de Futebol passou a levar em consideração a argumentação da Polícia Militar do Estado de São Paulo no agendamento de datas e horários para os eventos, fator contribuinte para a real segurança do espetáculo e adotar, sempre que o calendário futebolístico permitir a venda antecipada de ingressos.

 O Ministério Público

O Ministério Público passou a atuar significativamente no assunto, editando a “Estratégia de Combate à Violência Praticada em Praças Esportivas”.

Preocupou-se o Ministério Público, principalmente, em uniformizar procedimentos entre as instituições encarregadas de zelar pela Segurança Pública, Polícia Militar e Polícia Civil, e identificar as principais e mais comuns infrações penais praticadas no interior e imediações dos estádios de futebol.

O benefício da atitude é evidente, calcado no fato de que muitos delitos deixaram de possuir a franqueada logomarca de “coisas do futebol” para assumirem o “status” do que realmente são: crime ou contravenção.

Contudo, a contribuição maior do Ministério Público ocorreu no campo da propaganda e marketing, com o anúncio constante das medidas judiciais promovidas para o fechamento das principais torcidas organizadas de São Paulo.

Colocados na defensiva e sem respaldo na mídia, tais grupos foram obrigados a um “recolhimento” sem precedentes.

A Polícia Militar

Como a parte mais visível e exposta de todo processo, coube à Polícia Militar a adoção de várias medidas para o quadro situacional apresentado, bem como tornar prática as restrições impostas a grupos organizados.

A proibição dos símbolos das torcidas organizadas teve o apoio irrestrito da Polícia Militar. Superados os problemas iniciais do processo, este está sedimentado e em pleno funcionamento.

Juntou-se a essa proibição uma série de outras medidas adotadas, passando-se também a utilizar de forma constante e estudada, os meios e equipamentos que a tecnologia disponibilizava.

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